Livro de Tutancaton
1 Houve um valente príncipe egípcio chamado Tutancaton. Filho do imperador Aquenáton, Tutancaton cresceu cercado de luxos e regalias. Após a morte de Aquenáton, Tutancaton exilou-se na Síria temendo retaliação dos amonitas, antigos inimigos de sua família.
2 Sua vida na Síria provou-se farta e gloriosa. Tutancaton comia com os sírios, bebia com os sírios, dançava com os sírios e deitava-se com as mulheres sírias. Porém, Tutancaton não se tornou um sírio.
3 Distante de seu povo e de sua nação, Tutancaton tornava-se cada vez mais recluso e ascético. Em um cume próximo ao Rio Eufrates, Tutancaton encontrou uma caverna enorme e encontrou seu abrigo em meio à vasta calmaria e escuridão.
4 Ali Tutancaton meditou por meses a fio, desprezando as necessidades básicas de seu corpo e espírito. Alimentava-se das fezes de morcegos que por vezes caíam do teto. Estava fino como uma vassoura e leve como uma criança quando uma fresta de luz se fez sobre seu rosto.
5 O Sol, fonte de energia de todas as coisas vivas na Terra, estendia sua luz e energia sobre ele. Tutancaton despertava agora de um sono profundo: um pesadelo de morte e abnegação e acordava para o sonho da vida.
6 Surpreendia a devoção que os sírios tinham aos seus deuses. Construíam altares enormes para eles, ajoelhavam-se diante de sua imagem e temiam-nos, temiam-nos profundamente. Aqueles ídolos de barro feitos à imagem e semelhança deles próprios eram seu refúgio e também seu maior temor. Tutancaton nada temia.
7 O Sol, fonte infinita de vida e virtude havia protegido e abençoado a vida de seu pai e de seu avô. Por que com ele haveria de ser diferente? Pensando nisso, Tutancaton saiu da caverna e encarou o Sol. E o Sol encarou-o de volta, tornando-o robusto e moreno novamente para encarar aqueles dias sofridos de exílio.
8 Revigorado, Tutancaton voltou a ter com as mulheres sírias. E em meio a elas, encontrou sua irmã Anquesepaton. Mesmo com as penúrias do exílio continuava bela. Se não fosse bela como seria sua irmã?
9 Disse-lhe Tutancaton: “Irmã minha! Que fazes em meio às estrangeiras? Não vedes que elas não são como tu e eu? Enquanto nós banhamo-nos no Sol para ficarmos belos e ceamos à noite para ficarmos fortes, elas se escondem em cortinas soturnas e cessam de comer para deixar as estátuas de pedra felizes.”
10 A garota respondeu ao irmão: “Ando com os sírios pois eu os amo. E logo tornar-me-ei síria também ao casar-me com Salmanaser.”
11 Tutancaton nada disse e se despediu da irmã com um beijo fraternal. Quando estava só pensou: “Que sabe ela sobre amor? Por acaso já amara alguém além dos ídolos que surgiam em sua cabeça? Alguma vez já amou algo além de seus próprios pensamentos?” Tutancaton, porém, a amava. Não porque ela merecia, mas porque era sua irmã.
12 Que coisa egoísta é o amor! Ama-se mais por satisfação própria do que pelas qualidades do objeto amado. Como uma mãe de crianças especialmente malcriadas. Que lhe importa que lhe puxem os cabelos e roubem os figos dos vizinhos? Decerto são os ladrões de figo mais bonitos de toda a vila. Quanto orgulho há no amor! Que criaturas egoístas são aqueles que amam!
13 Passadas semanas de seu encontro com Anquesepaton, Tutancaton caminhava pelas estradas sírias. Um asceta especialmente moribundo foi ter com ele. Falava de um reino secreto para onde iria a parte subterrânea de seu corpo alimentada por aqueles anos de abdicação, raciocínio e idolatria. Tutancaton beijou-lhe a mão e deu-lhe algumas moedas para que gastasse no dito reino.
14 Quando se fez sozinho não pode deixar de pensar: “Que querem os sírios com reinos ocultos? Não vos basta o reino embaixo do Sol onde habitaram vossos pais e vossos avós? Não vos basta plantar aquilo que vos foi oferecido em solo fértil para que a colheita seja abundante? Por que sacrificam a vida que vos foi dada em troca de uma vida que só existe em pensamento?”. Tutancaton achava graça nos sírios e se tornava mais sábio com a ignorância deles.
15 Ainda caminhando pelas estradas sírias, Tutancaton não percebeu quando a noite chegou. Uma lua fraca e apagada brilhava no céu. Tutancaton lembrou-se então do luar da sua terra natal. Tutancaton chorou.
16 Quando a noite passou e o Sol fez-se novamente guia, Tutancaton partiu rumo ao seu reino. Caminho nove dias e nove noites sem olhar para os desertos da alma que deixava para trás.
17 No décimo dia, Tutancaton encontrou um gnomo em sua trilha. O gnomo lhe disse: “Oh, príncipe! A nação está em ruínas sem a mão forte de Aquenáton! Empreste-nos seu cajado! Faz de nós vossos súditos!”
18 Tutancaton disse ao gnomo: “Que tenho eu com gnomos? Estou indo ver a Lua da minha terra e livrar-me da má consciência que habita as cidades sírias. Os amonitas conquistaram o poder e devo respeitar sua autoridade”. E então partiu e viajou por mais treze dias e doze noites.
19 Tutancaton chegou em um vilarejo egípcio na vigésima-terceira noite. A Lua prateada preencheu-o por completo e enquanto seu olhar deleitava-se em sua beleza, parecia que via o mundo pela primeira vez.
20 Tutancaton foi até uma das casas da vila e se apresentou como Tutancaton, filho de Aquénaton e pediu para passar a noite. A aldeã que recebeu-o na porta respondeu: “Disseste que é Tutancaton, filho de Aquénaton. Pois eu digo que mentes. Se O Príncipe estivesse mesmo vivo estaria em Tebas ajeitando os problemas do reino e não aqui. Decerto é um sírio procurando casas para pilhar ou mulheres para maltratar”. E bateu a porta com violência.
21 Tutancaton então dormiu no deserto banhado pela Lua, que refletia a luz do Sol. Enfim esclarecido pela luz da terra natal, percebeu que o duende tinha razão. Ele tinha braços compridos e seria um desperdício não usá-los para apanhar tantos frutos quanto pudesse. Ainda amanhã iria para o palácio em Tebas.
22 Guiado pelo Sol, Tutancaton estava em Tebas ao meio-dia. Foi ter com os sacerdotes amonitas que ceavam no palácio real.
23 Ali cearam por algumas horas. Após descansado e vestido adequadamente, Tutancaton foi ter novamente com os sacerdotes amonitas.
24 Tutancaton subiu no palanque real e disse a eles: “Passei por dias de insuportável sofrer no estrangeiro e volto não por obrigação mas por tédio. Porém, por toda parte que passo percebo que o trabalho que fazeis não é o mais adequado e que não me resta opção a não ser tomar de volta o que é meu por direito”.
25 Um sacerdote especialmente velho disse a Tutancaton: “Escute, jovem Príncipe, não temos nenhuma objeção quanto ao seu retorno, na verdade seria o mais adequado após a morte do Imperador Neferneferuaton que alguém de vossa linhagem e estirpe comandasse a nação, porém com uma condição”.
26 “Abandone a heresia de Amarna e os ideais totalitários de vosso pai. A partir de hoje vós chamais Tutancâmon e adorais Amon, deus supremo de Tebas e da nação do Egito”.
27 E assim foi feito. Em nome de seu povo, Tutancaton cedeu ao desejo dos amonitas e abdicou de seu nome. Casou-se com sua irmã Anquesepaton, agora Anquesenamon.
28 Tutancâmon governou a nação egípcia por nove anos, durante os quais ocupou-se de restaurar a paz com as nações vizinhas e a fé do povo na nação e no Imperador.
29 Durante esses nove anos, permaneceu amando o Sol, que era seu Deus, em segredo. Porém, para ele isso não passava de uma formalidade, nunca se deixou importar de verdade com isso. Diferente dos proselitistas da Síria, ele era egoísta, pois amava. E amava tanto Deus que o queria só para si.