A Coragem
Que frango arisco é minha coragem!
Procuro agarrá-la e ela, como água, escorre pelos meus dedos
Líquida é a coragem dos jovens
Pois ainda falta inverno frio que a enrijeça
Na alma jovem ainda falta muito inverno e também muito verão
Só vejo nela pequenos outonos, tímidas primaveras
Anseio pelo período mais frio, pois assim virei a ser mais quente!
Frutos Verdes
Veja, bravo agricultor, seus frutos ainda estão verdes!
Há ainda muita limerência em sua plantação de amor
Cuida para que não apodreçam antes do tempo
E tenha de colher indiferença na próxima estação
O Zé Povinho
Você escuta, bravo agricultor?
O ruído que se faz pela cidade inteira
O estúpido espectro que se forma quando o rebanho se reúne
A peste que se ergue junto dos edifícios
Alma de povinho!
Nas pequenas vilas a alma é livre
E se faz comunidade
Nos conglomerados urbanos a alma é prisioneira
E se faz zé povinho
E essa alma fedorenta já se espalha por todas as coisas
Onde quer que algo grande cresça, lá está ela com seus mil olhos
Foge, bravo agricultor! Foge do mau olhado!
Volta para a sua vila, recomponha sua alma de comunidade
Novamente, a Coragem
Tal qual moça arredia é a coragem, ela foge dos que a procuram demais
Aquele que busca não a virtude, mas o desafio, há de encontrá-la
E há de encontrá-la duas vezes: uma na entrada e uma na saída
E nas duas ocasiões ela há de beijar-lhe a face, adornando-o com sua jovial sabedoria
O cão que ladra
Ladra o cão! E como ladra!
Assusta todo aquele que escuta tamanho desaforo
Na menor das desavenças já mostra seus dentinhos
O mais corajoso dos bichos, clama ser o cão
Mas eu passei pelo portão
E o que vi foi um animal pequeno
Um animal tão pequeno que não passava de latido
Mansos ficam todos os cães quando atravessamos o portão
Castigam-nos com seu latido, mas poupam-nos da doce mordida!
Os pequenos Outonos
A alma jovem é feita de outonos e primaveras
Coisas pequenas que não chegam a nos modificar de verdade
Outono: Desilusões amorosas, Desaprovação da família, Ressentimento
Primavera: Paixões passadas, Boas convivências, Apego à identidade
Hoje somo mais um pequeno Outono à minha alma
Mas que tenho eu com pequenos Outonos?
Onde está o grande inverno que enrijecerá meu espírito?
Estou cansado do ar enfermo que tem esses pequenos Outonos
Que chegue logo o Grande Inverno!
E que eu esteja bem quente para recebê-lo!
Até lá que os pequenos Outonos não sejam mais que mordiscos de formiga
Esse é o tratamento que devemos dar às estações jovens
Não passam de formiguinhas, coitadas!
Não deixe que elas o afetem, bravo agricultor!
Mantenha-se firme! O Grande Inverno vem aí!
Já montou seu estoque? Já preparou suas lareiras?
Rimas são prisão
Rimar é enganar
Enfiar palavra errada
Para o poema embelezar
Não deve ser empregada
A palavra com imprecisão
Ou o poema livre e belo
Torna-se uma prisão
Moisés e o Deserto
Pensar é estar doente dos olhos
Essa cidade feia adoece meus olhos
O cinza entendia minha visão
O néon confunde meus sentidos
Sem ter janelas por onde sair, me refugio dentro de mim
Que lugar cavernoso é a alma humana!
Visitantes terríveis e perigosos vêm me fazer companhia
Nada sinto, apenas penso
Mas o Sol me convida a sair
E brincar como brincávamos antes
E rezar como rezávamos antes
E dançar como dançávamos antes
E aquela coisa que ficava presa encontra refúgio quando brinco e danço e rezo
O ser que sozinho se enfeava, torna-se belo no céu e nas árvores e nos pássaros e na lua
E nas minhas irmãs, que são belas porque são minhas irmãs
Se não fossem belas, como seriam minhas irmãs?
Do alto do viaduto encontro refúgio quando vejo o horizonte
Como Moisés que, preso ao deserto, sobe ao monte para ver Deus
Eu sinto Deus junto comigo
Eu sinto Ele me guiando para longe dos desertos da alma